Aentrevista Serafim (Air Macau)
out25
“Sobrevivência” da Air Macau depende de “estratégia de reestruturação”

Perante a “difícil” situação económico-financeira em que se encontra a Air Macau, a “sobrevivência” da companhia aérea dependerá “do sucesso da combinação da implementação de uma estratégia de reestruturação com apoio governamental e da sua parceira estratégica e, ainda, de um reposicionamento no mercado”, considera o economista António Félix Pontes. Já o comandante Vicente Serafim defende que um dos grandes problemas, a par da concorrência regional, são as companhias “low-cost”, as quais a Air Macau está “sistematicamente” a tentar combater. Por outro lado, diz que a expansão das rotas é um caminho a seguir. Vicente Serafim destaca ainda que a nova lei da aviação civil é “muito vaga” nalguns aspectos, ao passo que o deputado Leong Hong Sai antevê uma série de desafios para a companhia de bandeira da RAEM com a entrada em vigor do novo regime em Fevereiro do próximo ano
CATARINA PEREIRA
Numa situação económico-financeira “difícil” e com alguns factores externos a contribuírem para uma operação mais vulnerável, a Air Macau enfrenta alguns desafios, consideram especialistas ouvidos pelo Jornal TRIBUNA DE MACAU. Além disso, em Fevereiro de 2026 entrará em vigor a nova lei da actividade de aviação civil, que preconiza o fim da concessão exclusiva da Air Macau e introduz um sistema de licenças, no intuito de abrir gradualmente o mercado de aviação civil do território – uns consideram que a entrada da nova lei em vigor acarreta mais obstáculos para a Air Macau, ao passo que outros não antevêem grandes dificuldades.
No final de 2024, o património líquido da Air Macau totalizava 209.142.539 patacas, representando apenas 24,8% do capital social (842.042.000 patacas). Uma vez que era inferior a metade do capital social, a companhia aérea passou a incorrer no risco de ser dissolvida a requerimento de qualquer sócio, accionista ou credor, ao abrigo do artigo 206 do Código Comercial. Por esse motivo, foi efectuada uma redução do capital social de 842 milhões para 200 milhões de patacas e, na mesma data, procedeu-se a um aumento para 2,38 mil milhões de patacas, valor que “traduz um reforço financeiro substancial para a Air Macau”, segundo a análise do economista António Félix Pontes.
Actualmente, a China National Aviation Corporation (CNAC) – grupo estatal que integra a Air China – detém 74,94% do capital social da Air Macau, ao passo que a parte da RAEM passou a representar 24%. Por sua vez, a STDM conta agora com 0,97263% do capital social da companhia de bandeira da RAEM. Antes, a distribuição estava feita nos seguintes termos: CNAC (66,9%); RAEM (21,5%) e STDM (11,57%).
Segundo explica Félix Pontes ao Jornal TRIBUNA DE MACAU, com a diminuição do capital para 200 milhões, “as quotas percentuais de todos os accionistas passaram a estar ‘indexadas’ a esse valor, pelo que, no caso particular da STDM, a participação desta passou a ser de 23.142.800 patacas”. “Como esta importância não foi alterada após o aumento do capital social da Air Macau para os 2,4 mil milhões de patacas, pode presumir-se que a STDM não vendeu a sua parte, nem acompanhou o reforço financeiro da companhia aérea efectuado pelos dois accionistas principais, assim, se explicando que a sua participação seja, presentemente, de 0,97263%”, clarificou.
Estando a acumular prejuízos desde 2020, “a companhia-bandeira de aviação da RAEM enfrenta uma série de desafios e condicionamentos, para os quais a sua sobrevivência dependerá do sucesso da combinação da implementação de uma estratégia de reestruturação com apoio governamental e da sua parceira estratégica e, ainda, de um reposicionamento no mercado”, considera o economista.
António Félix Pontes aponta desde logo que há uma “grande dinâmica e competitividade forte e crescente das companhias aéreas que operam nos aeroportos vizinhos de Hong Kong, Cantão e Shenzhen”, as quais oferecem preços mais atractivos e um leque bastante alargado de opções para as ligações com os voos internacionais. Além disso, há “a diferença abismal da dimensão do aeroporto local” comparativamente com aqueles. “Tudo isto se reflecte na situação da Air Macau”, aponta.
Por outro lado, o economista fala em outros três factores: “os encargos financeiros resultantes dos empréstimos bancários à Air Macau; a sua grande dependência do mercado do Continente, o que a torna vulnerável a alterações que aí possam ocorrer, por exemplo, devido a restrições na concessão de vistos de viagem ou ao eclodir de crises de saúde, como a do Covid-19; e os seus custos operacionais que são superiores aos das outras companhias aéreas, devido a economias de escala”.
Na sua opinião, reverter a situação “não será fácil”. Contudo, mencionou algumas medidas que poderão ajudar. “As medidas a desencadear terão de abranger diversas áreas, nomeadamente, a reestruturação financeira – em grande parte já concretizada com a entrada de fundos pelos dois principais accionistas, faltando, agora, aliviar os encargos financeiros decorrentes da dívida bancária; uma redução dos custos sem perda de eficiência operacional; e alavancagem do mercado local aproveitando a sua ligação à Air China – parceria estratégica”, defendeu.
Félix Pontes sublinhou que o mercado Chinês é bastante vasto, podendo a Air Macau reforçar a sua aposta na optimização das rotas, “em particular nas ligações de Macau com cidades do Continente, nomeadamente, na Área da Grande Baía, em que a competição não seja tão intensa”; atrair segmentos específicos de clientes de certos mercados; e, eventualmente, explorar oportunidades no transporte de carga”.
Companhias “low-cost” são um dos “grandes problemas”
Contando com uma vasta experiência no sector da aviação, o comandante Vicente Serafim, que entrou para a Air Macau em 1995 e onde permaneceu por 12 anos, disse ao Jornal TRIBUNA DE MACAU que a transportadora da RAEM “tem estado a dar um prejuízo imenso porque está a baixar os preços até aos das ‘low-cost’ para conseguir competir e ter passageiros”. Além disso, tal como Félix Pontes, mencionou também alguns factores como a concorrência regional.
“Quando a Air Macau começou, não havia o Aeroporto de Hong Kong como hoje existe, havia um aeroporto que era muito mais limitado e com muito menos oferta. Além disso, temos a Ponte do Delta, que foi para mim a melhor coisa que o Governo chinês pôde fazer, e que põe o Aeroporto de Hong Kong – que tem oferta de todo o tipo e para todo o mundo – a uma hora ou menos de Macau. Está perfeitamente dentro do raio para captação de tráfego. Esse é outro grande problema”, considera.
Por outro lado, Vicente Serafim lembra que os cidadãos do Interior da China precisam de vistos para viajar, apontando que “essa é uma grande limitação que a Air Macau tem”, até porque a população de Macau não é muito elevada. “Mesmo que haja 700 mil pessoas a viajar, quantas dessas viajam na Air Macau? Muito poucas… A Air Macau não pode competir com as companhias chinesas para os destinos da China”, defendeu.
Vicente Serafim considera que “a China é fundamental para Macau”: “Vamos ver se a abertura social da China continua, porque se continuar as pessoas estão mais livres para viajarem para onde querem sem grandes entraves e a coisa torna-se mais simples. E há sempre uma grande apetência para ir conhecer Hong Kong e Macau”.
Quanto às rotas internacionais, o comandante Vicente Serafim observou que o Japão não tem praticamente “low-costs” a viajar para Macau, nem companhias de “full service”. “Essas rotas têm uma contribuição positiva para o resultado final da Air Macau, porque está mais ou menos sozinha”, acrescentou. Todas as restantes rotas, como Banguecoque, Seul, Jeju, Singapura, Kuala Lumpur têm companhias “low-cost”. “A Air Macau está sistematicamente, regionalmente, a combater as ‘low-cost’, ou as ‘low-cost’ estão a combater a Air Macau”, notou. “O tráfego não é muito grande e as pessoas que vão de férias escolhem primeiro a tarifa mais barata, o tráfego que fica para a Air Macau é muito pequeno”, prosseguiu.
O antigo CEO da extinta Macau Jet defende que o Governo da RAEM deveria adoptar o mesmo modelo seguido com a Singapore Airlines. “É uma companhia do Estado, mas com uma gestão privada. O Governo faz a estratégia e eles implementam. O Governo utiliza a Singapore Airlines para chamar pessoas a Singapura (…) No meu entender, o Governo tem de usar a Air Macau como o governo de Singapura usa a Singapore Airlines”, afirmou.
Por outro lado, considera que “a expansão da Air Macau é fundamental”, contudo, avisa que “a expansão é perda”. “Em 2024, houve uma perda monumental um bocado por causa disso, abriram uma série de rotas novas e a receita não compensou os custos”, analisou.
Relativamente à expansão, “é fundamental a Air Macau ir para outros mercados mais ricos, provavelmente o Médio Oriente”. “Vai por exemplo para o Dubai. Mas quem é que vai de Macau para o Dubai? São duas pessoas que têm de ir lá fazer alguma coisa, ou vão visitar (…) não dá para encher um avião; pessoas que vão em negócios também serão poucas; à vinda para cá do Dubai quem é que vem? Pessoas que querem jogar? Não sei, é muito difícil”, assinalou.
Sobre a nova lei que entrará em vigor no próximo ano, Vicente Serafim, actual CEO da Gratear Bay Aviation Limitada, destaca o facto de ser “muito vaga”, apontando que as novas companhias terão de ser autorizadas pelo Chefe do Executivo. E não se sabe ainda de que forma será feito esse processo: “Só sabemos que o Chefe tem de dizer que sim. E será que se aparecer por exemplo uma Cathay Pacific a dizer que quer fazer uma companhia em Macau o Chefe vai dizer que sim? Tenho algumas dúvidas…”.
Já quanto à Air Macau, considera que não terá grandes desafios e que verá sempre o seu lugar garantido. “A Air Macau tem o seu lugar, vai continuar a desenvolver-se”, disse, assinalando igualmente o “salto significativo” da parcela do capital social do Governo na Air Macau, que é agora de 24%. “O Governo não pode ser o legislador, o controlador e o investidor… Se me perguntar se vou investir no sector eu digo que não; enquanto o Governo estiver na Air Macau eu não invisto. Isso significa que haverá primazias, tudo o que é lei vai ser feito para proteger a Air Macau”, constatou.
Na sua opinião, haverá espaço para outra companhia área, que terá de ser “low-cost”, caso contrário “teremos dois galos na mesma capoeira, vão lutar um contra o outro e morrer os dois, ou morre o elo mais fraco, que não será a Air Macau”.
“A Air Macau pode também passar a ser uma ‘low-cost’, mas isso tem custos financeiros e de pessoal, porque não precisará daquela gente toda. A Air Macau é capaz de ter 5.000 empregados e numa low-cost isso não pode ser”, observou, defendendo, contudo, que “o ideal não é fazer reconversão”.
De qualquer modo, Vicente Serafim acredita que até a expansão do Aeroporto estar completa “não vai haver grandes novidades”. Na sua perspectiva, “o importante é que os accionistas criem uma maneira de estar na Air Macau segundo a qual consigam gerir e controlar a implementação das estratégias”.
Incertezas e novas apostas
Ao contrário de Vicente Serafim, o deputado Leong Hong Sai previu que a entrada em vigor da nova lei, o consequente “fim da protecção da concessão exclusiva da Air Macau” e a “entrada numa fase de abertura total” no próximo ano “irão trazer uma série de desafios” ao desenvolvimento do sector da aviação civil, incluindo da Air Macau.
Segundo analisou, a Air Macau irá enfrentar o “risco de perda da quota de mercado”. “De acordo com a Lei da actividade de aviação civil, a Air Macau perderá o direito de exploração exclusiva, mas passará a operar sob o modelo de licenças. Isso significa que, no futuro, mais companhias aéreas internacionais, como a AirAsia e a Cathay Pacific, irão entrar no mercado de Macau. Essas transportadoras poderão disputar fontes de clientes através da estratégia de preços baixos ou do serviço de alta qualidade, o que poderá resultar na diminuição da quota da Air Macau no mercado”, anteviu.
Ouvido pelo Jornal TRIBUNA DE MACAU, o deputado apontou ainda para uma pressão derivada do controlo de custos e relacionada com a eficiência operacional. Neste aspecto, recordou que a Air Macau registou prejuízos consecutivos nos últimos anos, enquanto a idade média da frota de aeronaves atingiu 8,54 anos. Na sua opinião, a companhia de bandeira da RAEM terá de suportar custos elevados de manutenção. “Por outro lado, os novos concorrentes poderão recorrer a uma estrutura de custos mais flexível, por exemplo o modelo de companhia aérea de baixo custo, comprimindo a margem de lucro da Air Macau”, alertou.
O também engenheiro civil mencionou igualmente a “incerteza” na fase de transição e de adaptação ao novo regime jurídico, uma vez que as disposições transitórias exigem à Air Macau que submeta o pedido de licença no espaço de 90 dias e que prove a capacidade de operações contínuas. “Embora a lei permita um período de transição à Air Macau, os requisitos de fiscalização previstos, como os critérios de segurança e os padrões de serviço, poderão elevar os custos de conformidade”, antecipou Leong Hong Sai.
O deputado anteviu também o aumento da concorrência regional, entendendo que, à medida que o conjunto de aeroportos na Grande Baía tem acelerado a sua integração, a rede de rotas aéreas e as vantagens ao nível de capacidade dos aeroportos de Hong Kong, de Cantão e de Shenzhen poderão desviar passageiros de Macau. “Com apenas cerca de 160 voos por dia, o Aeroporto de Macau terá de concorrer em conjunto com outros hubs aéreos na Grande Baía”, defendeu.
Na sua perspectiva, outro desafio estará relacionado com a marca e a reputação do serviço: “A Air Macau tem sido alvo de críticas há muito tempo por causa da qualidade do serviço, como a taxa de pontualidade dos voos, a resposta do serviço de apoio ao cliente e o longo tempo de espera no aeroporto. Num mercado aberto, a transportadora precisará de melhorar rapidamente a qualidade do serviço, por forma a manter a competitividade”.
Ainda assim, o deputado acredita que a nova lei também fomentará “grandes oportunidades” para a transformação do sector da aviação civil de Macau, incluindo a da Air Macau, o alargamento dos seus negócios para a Grande Baía e o posicionamento da RAEM enquanto “Um Centro, Uma Plataforma e Uma Base”. Para Leong Hong Sai, as oportunidades prendem-se com um dos “quatro grandes projectos” anunciados pelo Governo, o Hub (Porto) de Transporte Aéreo Internacional de Macau, que “pode representar uma boa oportunidade para a transformação e o desenvolvimento da indústria da aviação civil de Macau”.
Leong Hong Sai considera que a Air Macau deve aproveitar para ampliar a capacidade de transporte de carga e a rede de rotas internacionais. Após a expansão, o Aeroporto de Macau ganhará uma nova plataforma de aterragem e novas instalações de transporte de carga. Desse modo, sugeriu que a Air Macau, aproveitando políticas preferenciais da Zona de Cooperação Aprofundada e o parque logístico inteligente do Aeroporto de Zhuhai com capacidade anual de tratar 500 mil toneladas de mercadorias, desenvolva o transporte de carga de alto valor acrescentado, como transporte de produtos electrónicos e o comércio electrónico transfronteiriço.
“Além disso, pode, através da Ponte do Delta, concretizar o transporte combinado terrestre e aéreo que permita uma ‘ligação aos aeroportos das RAE no espaço de uma hora’, de modo a reduzir os custos logísticos”, prosseguiu.
Lembrando que Macau possui actualmente mais de 50 direitos de voos internacionais, propôs a expansão de negócios de transferência de carga sob a quinta liberdade do ar, juntamente com o Aeroporto de Zhuhai, por exemplo o lançamento de rotas Macau-Interior da China-Sudeste Asiático, no sentido de aumentar o “poder de radiação” do Hub de Transporte Aéreo Internacional de Macau.
https://jtm.com.mo/local/sobrevivencia-da-air-macau-depende-de-estrategia-de-reestruturacao/



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